7 de nov. de 2010

Poesia

Poderia escrever palavras ásperas
Frases atravessadas
Onde pudesses ver e refletir sobre o presente
Mas ama demais para ferir

A acidez das letras misturadas,
Sejam escritas ou pronunciadas,
Só abririam cortes semicicatrizados
E fariam novas marcas

Então opta pela paciência
A machucar por não ter o que quer
Dando passos desencontrados,
Desengonçados,
Vai caminhando, enquanto espera

As trincheiras se fecham cada vez mais
O caminho para a união vai ficando restrito
A alternativa que resta
É manterem-se amigos

Chegou a ter um "puxadinho" em seu coração
Hoje foi transferido ao porão
Guardado num baú de boas lembranças
Que pode ser aberto, em algum momento,
Quando se precisar de novas esperanças

E tão perto, tão longe,
Raramente se veem, não se tocam
Fica o olhar do cão para o frango de padaria
Da doméstica para a vitrine da joalheria

O lutador sai do ringue
Perdeu o round, mas não a luta
Olha para as mãos, ensanguentadas,
Por tanto empenho em aparente vã disputa

Não desiste
Cuida da semente que plantou
Regando-a, com todo o carinho,
Desde o dia que a encontrou

A plantinha está bonita
Porém impedida de crescer
Embora não colha os frutos
Jamais vai deixa-la morrer

Pela bifurcação seguem
Na vida desenfreada
Tentando encontrar um retorno
Que os una na mesma estrada

30 de mai. de 2010

O arco-íris além do muro

- Vem, tem um mundo te esperando - diz o amigo, puxando-o pela mão. Ele hesita.

- Não sei... - fica parado, confuso.

- Vamos. Você passou anos em cima desse muro, olhando tudo à distância, enquanto todos viviam. Agora que desceu, não tem mais volta. Seu lugar é aqui. Tem um arco-íris de possibilidades mais adiante. Você não vai deixar anoitecer sem curtí-lo, não é?

- Mas os que estão do outro lado não vão entender como vim parar aqui - preocupa-se.

- Alguns já sabiam ou desconfiavam que seu lugar era conosco. Só esperaram, sem se intrometer. Os que te amam vão aceitar. Um ou outro pode fechar a cara e te virar as costas, faz parte do jogo. Mas a quem quer agradar, a eles ou a si?

Não responde e olha ao redor. Depois se vira para o muro.

- Você não podia ficar ali em cima a vida inteira, como voyeur - fala calmamente o amigo. - Venha viver, o tempo está passando, não temos o dia inteiro.

- Eu nunca mais vou poder voltar para lá?

- Claro que pode, isto não é uma prisão, e sim uma libertação. Você não perdeu terreno, agora sua área de trânsito é maior. É como se tirasse carteira de motorista e agora tivesse condições de ir a lugares até então impossíveis à pé. Mesmo que volte, sabe que seu lugar é aqui, que sua zona de conforto e felicidade está nessa parte. Tem gente que circula pelos dois lados do muro, outros por um só, cabe a ti escolher o melhor para você.

- Todos saberão que estou aqui?

- A notícia não está sob seu controle. Mesmo que poucos tenham te visto descer, há sempre quem conte que te viu atravessar. Não se atenha a isso. Volte depois e comunique a quem realmente deva saber. Agora vem ver o arco-íris.

O início do caminho tem pedras escorregadias e cortantes, como as que passou até subir no muro. A chance de se machucar é grande. Tem medo e para em diversos momentos. Mas no fundo sente que é difícil voltar atrás. Muitos que conhece atravessaram antes dele e estão lá, vivendo, aprendendo, tentando ser felizes. Sorriem ao vê-lo e lhe dão as boas-vindas.

-Como você demorou - diz um deles.

Ao chegar perto percebe que a vida não é muito diferente. Os sentimentos são os mesmos, o que muda são as cores que passa a enxergar naquele recanto. Senta na grama e respira fundo. Se todos entendessem que o mundo não é apenas preto e branco, poderiam apreciar sem ressalvas a beleza do arco-íris, suas combinações e possibilidades.

2 de fev. de 2010

Almoço garantido

Os meninos sobem pela porta de trás do ônibus. Em segundos sua algazarra domina o ambiente. Ao olhar para o fundo, todos já estão sentados, cantando e conversando alto. Carregam sacos com frutas e verduras, recém recolhidos da feira. Um dos garotos, de cerca de 11 anos, fica em pé, ergue e analisa o saco rosado com frutas, como se fosse um troféu. Depois olha para o que está na outra mão, um plástico mais escuro, entre o verde e o azul, com várias verduras.

Ele solta um sorriso que julgamos não mais ver no rosto daquelas crianças. Aberto, sincero, puro, que ilumina completamente a face. Cada um conta o quanto conseguiu pegar. Ouvir outro som que não seja o deles é impossível, falam um mais alto que o outro. Começam a cantar raps que se assemelham às desgraças de seu cotidiano. Com a mesma rapidez que subiram, descem e silenciam o ambiente. Atravessam a rua e levam suas conquistas para debaixo do viaduto. É o momento mais alegre do dia por ali. O almoço de hoje está garantido.