25 de nov. de 2008

Um dia a cada 4 anos

Cubatão amanheceu no domingo de eleição cheia de papel molhado. A chuva que atingiu a cidade nas primeiras horas da manhã estragou a estratégia dos candidatos, que colocaram seus cabos eleitorais para jogar os 'santinhos' pelo chão durante a madrugada.


O que se viu ao andar pelas ruas foi o cinza do asfalto e o avermelhado das vias de terra salpicados de branco. Os papéis se transformaram em uma massa escorregadia, perigo principalmente para os idosos. Antes da eleição começar, três garis se esforçavam para limpar a calçada de um supermercado, às 7h30. O dia seria longo para esses trabalhadores, cuja missão é diminuir a "sujeira" da democracia.


As passarelas da cidade foram utilizadas para boca-de-urna. Quem passava por uma delas era alvo de santinhos ou colantes nos braços. Gente uniformizada era rápida em tentar lhe convencer que seu candidato era o melhor em pouquíssimas palavras. Simpatia não faltou. Vez ou outra os carros que circulavam por baixo recebiam uma chuva de papéis.


Com a lei seca suspensa, as pessoas bebiam nos bares e padarias. A princípio, de forma discreta, nos balcões. Depos do meio-dia, já ocupavam as mesas e brindavam alegremente. No final da tarde, esses locais estavam completamente lotados.


Nas escolas se prepara o futuro todos os dias. Neste domingo não foi diferente. Após decidir o que vai acontecer nos próximos quatro anos, conhecidos se encontram ali mesmo no portão da saída e engatam um papo, tornando o dia um pouco mais alegre. Do lado de fora, a propaganda explícita nos carros com fotos e números de candidatos, estacionados estratégicamente bem próximos aos colégios.


Em locais nos quais não havia escolas por perto, parecia um dia comum, não fosse a sujeira. Na Vila São José, algumas crianças brincavam e donas de casa estendiam roupas no varal. Certas ruas do Centro estavam desertas, movimento típico de um domingo na cidade.


Mas nem todos votam em seu bairro. E se locomover em Cubatão faz lembrar um dos problemas que precisa de solução: o transporte coletivo. Foram 54 minutos de espera por um ônibus do Jardim Casqueiro ao Centro. Não fossem as lotações - passaram cinco durante esse período - seria o caos.


Na Escola Estadual Afonso Schmidt, o maior colégio eleitoral da cidade, com 5042 eleitores, a tarde era tranquila. Policiais passaram avisando que não queriam boca-de-urna por ali. Uma portadora de necessidades especiais não conseguiu exercer seu direito e cumprir sua obrigação, pois a seção onde votava era no primeiro andar. Foi orientada a procurar o cartório. Recusou-se a ser carregada até o local. "É muito constrangedor, e não é a primeira vez que isso acontece", disse.


Chega a hora da apuração. Um telão foi improvisado na Praça Princesa Izabel, ao lado da Justiça Eleitoral. Às primeiras urnas só chegaram às 17h48. Após cerca de dois meses de envolvimento, ninguém quer ir embora sem conferir o resultado final. Músicas de campanha eram cantadas, bandeiras serviam como manto de esperança às costas cansadas, banners eram erguidos com orgulho. Parecia final de campeonato. O programa daquele domingo foi outro. Nada de assistir a Faustão e Gugu, o negócio é sentar embaixo de uma árvore na praça, como deve ter sido o final de tarde de um domingo perdido no tempo.


Começa a chover, e a multidão não desgruda os olhos do telão, que por mais de duas horas teimava em mostrar os mesmos números - houve problemas com o site do TRE, retardando bastante o fim da apuração. Guarda-chuvas de várias cores protegiam vários rostos sofridos e uma nova geração, que por algum motivo estava ali. Já que o resultado oficial não sai, a festa é antecipada pela Liga Independente das Bandas e Blocos Carnavalescos de Cubatão. Por volta das 20 horas, no meio do povo, o som do batuque fazia por um instante estarmos em fevereiro. Parecia carnaval.


Fogos de artifício coloriram o céu algumas vezes. Era cada vez mais difícil andar entre as pessoas. Após as 21 horas, euforia: aparecem os primeiros resultados para vereador. O tempo vai passando, a chuva não pára e aos poucos o público vai diminuindo. São 23h28, e segunda-feira é preciso acordar cedo, dia de batente. O resultado final saiu 0h30, e pelo menos um terço de toda aquela gente ainda estava lá, aguardando.


Os eleitores deram seu espetáculo aquele dia. Pena não ver o mesmo empenho depois, para tomar as ruas novamente e cobrar seus direitos.

4 de mar. de 2008

Despedida

Passava de 1 da manhã. Corajosa, enfrentava o frio da madrugada para dar adeus ao filho. Vestia apenas um casaco fino, bem velhinho, e uma minissaia, que não escondia o tremor das pernas franzinas. Seu rosto surrado, marcado pelo tempo, ganhou feições doces, como só as mães conseguem fazer. Não desgrudava os olhos cheios de ternura do filho, que subia no ônibus.

Levava às mãos à boca e jogava beijos ao filho que partia. Ele muito provavelmente sabia o quanto era querido, e talvez tenha sido tomado por um aperto no peito, uma vontade louca de descer e abraçá-la mais uma vez, dizendo "Mãe, não chora, eu te amo muito. Volto correndo, logo, logo, e quero ver a senhora bem, pra ganhar outro abraço gostoso. Fica com Deus". Ou então não diria nada, apenas sentiria o quanto é bom ter o amor mais puro do mundo, o de mãe e filho.

Ele era a maior riqueza da vida dessa mulher humilde, vivida, que há tempos parece ter perdido a vaidade - seus cabelos emaranhados, cobrindo o pescoço, e a ausência de maquiagem demonstravam isso.

O ônibus parte, levando seu filho para outro Estado. A franzina senhora caminha sozinha para casa, tiritando de frio, mas com um misto de orgulho, satisfação e saudade no rosto. Cumpriu com êxito a tarefa de todas as mães: criar, com muito amor, um filho pro mundo.

29 de fev. de 2008

Sonhos

Nossos sonhos na vida são como sonhos de padaria. Cada um tem um gosto diferente. Devemos experimentá-los o máximo possível. Alguns vamos gostar e querer novamente. Outros acharemos ruins e jamais voltaremos a provar.

Não precisamos ter medo de trocar de sonhos. Um sonho bom pode substituir o que até então nós gostávamos. O que não pode é continuar com o que não mais nos satisfaz.

Os sonhos não batem à nossa porta, é preciso ir até a padaria buscá-los. Muitos os desejam, por isso, se não formos rápidos, há o risco de ficar sem. O sonho acabou? Está em falta? Talvez seja o momento de procurar outro.

De vez em quando é legal levar sonhos para quem a gente gosta. Faz bem ver o sorriso no rosto dos que o recebem. Deixa a vida mais feliz.

Na vitrine, os sonhos nos sorriem. O prazer de saboreá-lo é o de um sonho realizado. Experimente-o. Sempre que bater aquela vontade, lambuze-se. A doçura que ele dá à nossa vida ajuda a suportar o amargo da realidade.

27 de fev. de 2008

O mudinho

Vez ou outra via um mudinho no bar da entrada do bairro. Ficava perto do bicheiro, e ganhava alguns trocados de quem ia fazer uma fezinha, ou do próprio 'contraventor penal'. Franzino, tinha o sorriso fácil e o linguajar nas mãos. Cumprimentava quem se aproximasse com a maior facilidade.

Aos poucos o mudinho desapareceu do lado da mesa. Estudava na escola do bairro vizinho. O tempo passou e uma noite, quando ia para a faculdade, o viu novamente. Mais magro, com a bermuda um pouco suja, percorria os coletivos, pedindo dinheiro para comer.

De banco em banco, o garoto levava a mão esquerda à altura do maxilar. Com a palma virada para cima, flexionava duas vezes os dedos em direção à boca, no típico gesto de quem quer comer. Em seguida, acariciava de forma circular a barriga e estendia a mão, pedindo dinheiro. Diante da negativa, juntava as pontas do polegar e do indicador e virava a mão para baixo, repetindo o movimento de colocar um vale-transporte na catraca eletrônica. Se ainda assim nada recebesse, fazia o sinal de positivo e ia para o próximo banco. Quase ninguém atendia seu apelo silencioso.

Na primeira vez, o mudinho ficou constrangido ao ver o conhecido da época da mesa do bicheiro. Pensou em nada pedir, mas o rapaz lhe deu as moedas que tinha no bolso e recebeu o aperto especial, cumprimento dos velhos tempos. Ainda o viu no ônibus outras vezes, até desaparecer novamente por um novo período.

Já trabalhando como jornalista e nem lembrando mais do mudinho, certa vez o destino deu-lhe a chance de saber que rumo o garoto tivera. Naquele dia estava responsável pela página policial do jornal e fora à delegacia, verificar as ocorrências. Acabara de chegar um flagrante de um rapaz pêgo furtando produtos de um supermercado.

Olhou e viu o mudinho, em pé, com um policial de cada lado, segurando seus braços. Mudara bastante. O sorriso fácil de criança parecia que nunca mais sairia daquele rosto. Alto, com 18 anos e corpo inacabado de adolescente, olhava para baixo. A face suja, o cabelo desgranhado, adquiriu uma fisionomia de bandido. Talvez estivesse usando drogas, ou roubando apenas para sobreviver. Não era a primeira vez que Mudinho (sim, agora com letra maiúscula, como era conhecido pelos policiais), era detido roubando alimentos.

Desta vez foi o jornalista quem ficou constrangido. Para sua sorte, o mudinho não o reconheceu. Não saberia como encarar o garoto de outrora que agora estava ali, prestes a ser preso. Arrependeu-se das vezes em que não o ajudou no ônibus. Sentiu-se um pouco culpado pela cena que estava presenciando.

Deu uma olhada nas fotos, na ficha de Mudinho. Ouviu os policiais e foi embora. Foi a matéria policial que mais lhe doeu escrever. A matéria saiu, assim como as outras da página policial, mas ele não ouviu a história do mudinho.